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MINHA PRIMEIRA VEZ NO "IPF"

"MINHA PRIMEIRA VEZ NO IPF - 29/05/2010" - O Texto já é antigo e ficou em uma gaveta, mas mesmo assim resolvi publicar.

Dia 14 de maio de 2010 foi minha primeira vez no Instituto Psiquiátrico Forense Em Porto Alegre – RS.

Nos dias que antecederam a esta visita, falei com meus colegas da Faculdade de Direito (FSG DE CAXIAS DO SUL) – por várias vezes, dizendo que seria duro, mas seria necessário, pois só estando presente em um local destes é que poderíamos ter uma idéia do que ele abriga.

E lá fomos nós. Creio que um ou dois colegas já conheciam a instituição e nada mais do que isso.

E lá chegamos nós, e a primeira imagem foi a de pessoas caminhando pelo pátio, tomando sol.

Até ai nada de mais, pois trabalhei por 35 anos em uma empresa do ramo metalúrgico e o que presenciei, em nada mudava o quadro a que eu estava acostumado a ver em meu dia a dia.

Pessoas deitadas sobre a grama, sobre bancos, apoiadas na tela, sentadas ao solo, assoviando, falando gracejos as moças que ali entravam, nada de diferente do presenciado na empresa que me acolheu profissionalmente por mais de três décadas.

Ávido pelo que “me esperava”, nos trinta e poucos metros de caminhada da portaria até a entrada do prédio dei total atenção as condições do local, e novamente nada de diferente notei.

A grama muito bem aparada, as arvores todas muito bem podadas e com seus troncos bem cuidados e sem cicatrizes, o meio fio da calçada pintado de branco, as paredes sem as pichações características dos prédios ao redor do IPF, os vidros, todos intactos, a calçada com todas as pedras no lugar, em fim, um ambiente que em nada mudava do que frequentei profissionalmente por quase quarenta anos.

Na porta do prédio, olhei para trás e mais uma constatação me saltou aos olhos, só que esta era diferente da que eu estava acostumado em meu dia a dia.

Todos os que ali se encontravam estavam com suas roupas normais, como se diz na esfera militar, estavam “à paisana”, sem uniformização e isso me chamou a atenção.

Em meu trabalho, o fato de não usar uniforme era considerado falta grave, passível de admoestação, suspensão e até demissão por insubordinação. Ali, ali no IPF não se podia, naquele momento distinguir quem era interno de quem estava a passeio ou a trabalho.

Ora, se o bem mais intimo de um cidadão é suas vestes, nós, os que nos imaginamos normais e que temos um emprego e o imaginamos digno, éramos obrigados a nos despir na entrada e na saída da fábrica. Já eles, eles os por nós considerados como loucos traziam cada um sua própria marca, as suas vestes.

Já no interior do instituto o olhar continuava a literalmente varrer tudo o que via e a tentar comparar com o que em quase três anos de estudos li na LEP[1] e sobre a LEP.

De imediato a maior constatação foi uma sala que se presumiu ser ocupada por alguém do Departamento Jurídico da casa, e esta, bem…. esta era um verdadeiro amontoado de papéis, de pastas de processos, de verdadeiros “feixes”, uns sobre os outros e aparentemente sem qualquer constrangimento em os atirar de um lado para o outro.

Os móveis eram acanhados, mas perfeitamente limpos, tarefa que provavelmente deva ser executada por algum daqueles que naquele momento tomava sol no pátio, já que em nenhum momento observamos o que é normal em qualquer instituição, ou seja, pessoas “uniformizadas” e que tem por função a de manter os locais em condições de higiene adequadas.

Em fila indiana fomos conduzidos a um depósito, que também serve de sala de aula, de local para palestras, mas que ostenta camas e colchões “novos”, um cartão de visitas talvez.

Ali, por mais de uma hora ouvimos as explicações do Diretor da Casa que fez uso de um velho, surrado e ultrapassado retro-projetor, mas conseguiu mostrar algumas letras e algumas imagens do passado.

Talvez esta fala pudesse ser gravada, pois assim o “Dr.” não perderia o seu precioso tempo com um pequeno bando de estudantes, até pelo fato de que as perguntas são óbvias e poderiam constar de um pequeno glossários que versaria sobre “perguntas mais frequentes.”

Mas estávamos agitados, queríamos ir ao interior do Instituto, queríamos ter contato com a dura realidade, pois não imaginávamos estar diante de um local onde a LEP seria levada a risca, ou até superada.

Ai veio a “Doutora”. A mesma que habitava a sala onde os processos “brotavam” do chão. Claro que ela era muito, mas muito ocupada.

Claro que a “parte dela seria salvar” o Diretor das garras dos ávidos acadêmicos do Curso de Direito da Faculdade da Serra Gaúcha e sua participação foi digna de um cometa e pouco depois de receber uma verdadeira saraivada de perguntas, na primeira oportunidade chamou uma subalterna sua, outra Doutora e que por submissão teria a incumbência de nos “mostrar a casa”.

Tudo continuava como no inicio.

Piso limpo, paredes bem conservadas, vidros intactos, câmeras de vídeo, por todos os lados, paz e uma tranquilidade que se não fosse trágica poderia ser apaixonante.

Já ia me esquecendo. O Diretor nos advertiu que não deveríamos fotografar os internos (e como saberíamos quem eram os internos?) e que por motivo de preservação daqueles que se encontram ali depositados, não seríamos conduzidos ao interior das unidades (fomos à Roma e não iríamos visitar o Papa).

Mas lá estávamos nós.

Em uma perfumaria sem “cheiros”, em uma funerária sem cadáveres, em um estádio sem os atletas, em uma fábrica sem os operários…. tentando ver o nada em parte alguma.

Mas lá estávamos nós, e já passava das doze horas e pensei: “bem, deveremos ver o refeitório.”

Ai fomos conduzidos a primeira construção, a mais antiga e teoricamente a pior de todas.

Mais uma vez fomos surpreendidos.

Grades bem cuidadas, tinha até um responsável junto a porta a quem a advogada cumprimentou (deveria ser um interno) e perguntou se estava tudo bem.

Se bem que nem precisaria perguntar…., tudo era tão óbvio, tudo…

Ai passamos pela porta do refeitório e lembrei novamente da empresa em que trabalhei boa parte de minha vida.

Incrível como tudo se parecia!

O local se apresentava higiênico, as mesas e os bancos eram idênticos, inclusive as pessoas que ali estavam e a forma como se portavam em frente a um prato de comida.

Feição fechada, compenetração total e a sensação de que tudo sempre estava normal, é claro que dentro daqueles padrões, os da fábrica e os do Instituto.

E lá fomos nós sendo conduzidos à porta da rua, a porta que nos conduziria a nossa realidade, a porta do faz de conta, a porta de que o Estado brinca de fazer sua parte e nós brincamos em fazer de conta que ele faz e que tudo é e está normal.

Ora, deixemos e hipocrisia de lado e assumamos nosso lado perverso e maligno. As pessoas ali “escondidas” passam pelo que podemos chamar de inferno. As pessoas ali são um amontoado de músculos em formato humano, mas ali estão a mercê da boa vontade de um ou de outro.

As pessoas ali depositadas não têm o poder de voto, as pessoas ali depositadas não têm dignidade, as pessoas ali depositadas não têm perspectiva de vida, não tem sequer vida.

O Estado além de omisso se ampara na indiferença das pessoas que abandonam os seus a própria sorte e fazem uso de aspectos como os que presenciamos, para afirmar que aqueles que ali estão vivem em melhores condições do que se estivessem no seio de sua família, no convívio do lar ou no aconchego que só a vida em sociedade pode proporcionar.

A Lei de Execuções Penais – LEP, não passa de mais uma, sem eficácia, sem fiscalização… etérea. Não é vista, não é sentida, e em nossa ignorância o que não é visto e o que não é sentido, “não faz falta alguma.”

Se de um lado a LEP traz em seu bojo verdadeiras maravilhas no que se refere ao tratamento do interno, de outro lado ela não é fiscalizada, ela não é cumprida, ela é desrespeitada, ela é amordaçada, ela é desvalorizada, se bem que não se pode desvalorizar aquilo que já não tem mais valor algum.

A sociedade não está falida, ela é falida e ela não pode dar aos outros e até aos seus que ela não tem para si própria.

Dignidade.

Luiz Henrique da Rocha

Caxias do Sul, 29/05/2010

[1] LEP – LEI DE EXECUÇÃO PENAL – LEI Nº 7.210 DE 11 DE JULHO DE 1984.


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